30 dezembro 2005
2005
No final deste ano e fazendo uma revisão são dois os poemas que resumem estes 365 dias: o primeiro é o Cântico Negro, do José Régio, que me acompanha desde há muito; o segundo é simplesmente o poema que simboliza, para mim, estes 365 dias por tudo o que de melhor dele tive e pelo qual posso dizer que 2005 foi o ano da Lua, é um poema com dedicatória.
Cântico negro
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
Lua Encantada
O que daria eu por um beijo do luar
nesta noite escura da vida,
sentir a sua doçura de seda,
a sua beleza de encantar...
Gritei, angustiado: -Oh Deus, porquê?
Porque não há esta noite luar?
-A lua não é tua, porque a queres?
Porque tanto lhe desejas tocar?
-Oh Deus, porque a perdi,
é escura a noite sem o seu brilhar
e eu desespero porque no seu toque
me enamorei e comecei a sonhar.
-Louco! Só os deuses podem sonhar!
-Louco seja, mas como farei agora
sem a sua luz para me guiar?
Caminho no tempo sem fim,
Sem rumo, sem caminho algum,
Sem a lua para me iluminar...
E se só os deuses podem sonhar
Porque me permitiste o seu toque,
Porque me deste o seu doce olhar?
da escuridão fiquei sem resposta,
resta-me a noite apagada
sem o brilho das estrelas
sem a doçura do luar...
Poemas de Dezembro (alguns) - C. Drummond de Andrade
Procuro uma alegria
uma mala vazia
do final de ano
e eis que tenho na mão
- flor do cotidiano -
é vôo de um pássaro
é uma canção.
(Dezembro de 1968)
Quem me acode à cabeça e ao coração
neste fim de ano, entre alegria e dor?
Que sonho, que mistério, que oração?
Amor.
(Dezembro de 1985)
29 dezembro 2005
Na minha graphonola:
Stop Running Away - Telepopmusik
We’re all searching
Time’s unfolding
Trying to fill our lives with meaning
Still we’re learning
How to breathe amongst the pain and suffering
When all we need is peace of mind
Stop running away
Beliefs are changing
Still we’re paying
Power holding back the people
All we need is peace of mind
Irrealidade
Mergulho no escuro imenso
Na noite do meu sentimento
Perde o rumo o meu coração
Onde vais, meu pensamento?
Sei o que não desejo
Sobre o que quero
não tenho decisão
Quebra-se o leme da minha alma
Vagueio na tormenta
O rodopio aumenta
Desespera já o meu coração
Pairo sobre o vazio
Enfastia-me o real
Anseio por uma miragem
Quero o sonho
Só ao sonho sou leal.
Cancion Otoñal
Hoy siento en el corazón
un vago temblor de estrellas,
pero mi senda se pierde
en el alma de la niebla.
La luz me troncha las alas
y el dolor de mi tristeza
va mojando los recuerdos
en la fuente de la idea.
Todas las rosas son blancas,
tan blancas como mi pena,
y no son las rosas blancas,
que ha nevado sobre ellas.
Antes tuvieron el iris.
También sobre el alma nieva.
La nieve del alma tiene
copos de besos y escenas
que se hundieron en la sombra
o en la luz del que las piensa.
La nieve cae de las rosas,
pero la del alma queda,
y la garra de los años
hace un sudario con ellas.
¿Se deshelará la nieve
cuando la muerte nos lleva?
¿O después habrá otra nieve
y otras rosas más perfectas?
¿Será la paz con nosotros
como Cristo nos enseña?
¿O nunca será posible
la solución del problema?
¿Y si el amor nos engaña?
¿Quién la vida nos alienta
si el crepúsculo nos hunde
en la verdadera ciencia
del Bien que quizá no exista,
y del Mal que late cerca?
¿Si la esperanza se apaga
y la Babel se comienza,
qué antorcha iluminará
los caminos en la Tierra?
¿Si el azul es un ensueño,
qué será de la inocencia?
¿Qué será del corazón
si el Amor no tiene flechas?
¿Y si la muerte es la muerte,
qué será de los poetas
y de las cosas dormidas
que ya nadie las recuerda?
¡Oh sol de las esperanzas!
¡Agua clara! ¡Luna nueva!
¡Corazones de los niños!
¡Almas rudas de las piedras!
Hoy siento en el corazón
un vago temblor de estrellas
y todas las rosas son
tan blancas como mi pena.
Federico García Lorca
Despedida
Me despediré
en la encrucijada.
¡Acudió a llorarme
gente a quien amaba!
Me despediré
en la encrucijada.
Para entrar en el camino
de mi alma.
Despertando recuerdos
y horas malas
llegaré al huertecillo
de mi canción blanca
y me echaré a temblar como
la estrella de la mañana.
Federico García Lorca
28 dezembro 2005
Poema de um momento
Poema de um momento
filho de um tempo fugaz
pensamento perdido
de um vácuo sem sentido
falha pura, irracional
onde o primado ilógico
se expõe incontido
numa explosão de sentidos
sem senso algum da realidade
Poema de um momento
palavras sem nexo
atiradas, jogadas,
um sopro que o vento faz
e no vento se esvai,
Poema de um tempo,
um adeus, que no tempo jaz.
Do Not Go Gentle Into That Good Night
Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.
Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.
Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.
Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.
Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.
And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.
Dylan Thomas
27 dezembro 2005
Na minha graphonola:
Clown - The Gift
Is the music too loud
Is he eluding the crowd
Does he know how to sing or it's terribly, terribly me
See that girl over there
Is she trying to get somewhere?
Don't you think?
She's a thrill or is terribly, terribly me…
See that look in her eyes
Is she thinking that clown should die?
Does he know how to sing or is terribly, terribly…
Why? Is it so hard to believe in those things that we need and
Why? Is it so?
Palavras achadas
Alma Minha
Tenho as palavras a queimarem
Pedindo-me para as soltar
Sem entender, elas correm
Livres como devem
Sinto a alma em fogo
Queria acreditar nela
Crer que ela existe
Apenas para a poder acalmar
Sinto-a inquieta
Sabendo que não a tenho
Sinto o bater do coração
Forte, mais forte a cada palavra
Sinto a alma adormecer
Suave, muito suave
O descanso duma guerreira
Que combate mil dragões de fogo
Corre em campos de combate
Todos por mim inventados
Queria eu acreditar em ti
Alma minha
Sentir-te além da tristeza
E saber-te real
Sentir-te além da amargura
E crer-te... sincera
Solto aqui as palavras
Que há dias me suplicavam
Invadindo o pensamento
Nesta quieta loucura
Esperando o impossível
Querendo o que não existe
E esta alma que chora
Esta alma que tenho agora
Não a sei minha,
Emprestei-a de outro pobre ser
Por a minha ter sido levada
Para lá de todas as palavras
Foi forçada a ir embora
Aquela minha alma.
Publicado por lobalpha
26 dezembro 2005
A minha canção preferida de Sinatra:
My Way
And now, the end is near;
And so I face the final curtain.
My friend, I’ll say it clear,
I’ll state my case, of which I’m certain.
I’ve lived a life that’s full.
I’ve traveled each and ev’ry highway;
And more, much more than this,
I did it my way.
Regrets, I’ve had a few;
But then again, too few to mention.
I did what I had to do
And saw it through without exemption.
I planned each charted course;
Each careful step along the byway,
But more, much more than this,
I did it my way.
Yes, there were times, I’m sure you knew
When I bit off more than I could chew.
But through it all, when there was doubt,
I ate it up and spit it out.
I faced it all and I stood tall;
And did it my way.
I’ve loved, I’ve laughed and cried.
I’ve had my fill; my share of losing.
And now, as tears subside,
I find it all so amusing.
To think I did all that;
And may I say - not in a shy way,
No, oh no not me,
I did it my way.
For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught.
To say the things he truly feels;
And not the words of one who kneels.
The record shows I took the blows -
And did it my way!
25 dezembro 2005
24 dezembro 2005
O último discurso - "O Grande Ditador"
Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar - se possível - judeus, o gentio ... negros ... brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma do homem ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos cépticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-se muito mais. A próxima natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem ... um apelo à fraternidade universal ... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora ... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas ... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis!" A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia ... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem os homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais ... que vos desprezam ... que vos escravizam ... que arregimentam as vossas vidas ... que ditam os vossos actos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar ... os que não se fazem amar e os inumanos.
Soldados! Não batalheis pela escravidão! lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Estás em vós! Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela ... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia - usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo ... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos.
Charles Chaplin
23 dezembro 2005
Natal à beira-rio
É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?
David Mourão-Ferreira
Poema
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
Carlos Drummond de Andrade
22 dezembro 2005
Conhecer-me
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.
Álvaro de Campos
21 dezembro 2005
[...]
Partir!
Nunca voltarei,
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.
Partir! Meu Deus, partir! Tenho medo de partir!...
Alvaro de Campos
Na tarde em que escrevo...
"Na tarde em que escrevo, o dia de chuva parou. Uma alegria do ar é fresca de mais contra a pele. O dia vai acabando não em cinzento, mas em azul-pálido. Um azul vago reflecte-se, mesmo, nas pedras das ruas. Dói viver, mas é de longe. Sentir não importa. Acende-se uma ou outra montra.
Em uma outra janela alta há gente que vê acabarem o trabalho. O mendigo que roça por mim pasmaria, se me conhecesse.
No azul menos pálido e menos azul, que se espelha nos prédios, entardece um pouco mais a hora indefinida.
Cai leve, fim do dia certo, em que os que crêem e erram se engrenam no trabalho do costume, e têm, na sua própria dor, a felicidade da inconsciência. Cai leve, onda de luz que cessa, melancolia da tarde inútil, bruma sem névoa que entra no meu coração. Cai leve, suave, indefinida palidez lúcida e azul da tarde aquática - leve, suave, triste sobre a terra simples e fria. Cai leve, cinza invisível, monotonia magoada, tédio sem torpor. "
Bernardo Soares - Livro do desassossego
20 dezembro 2005
Hoje apetece-me poesia, muita poesia, poesia a rodos...
Pousa um momento,
Um só momento em mim,
Não só o olhar, também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!
No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti o teu olhar tem.
A ver até esquecer
que tu és tu também.
Só tua alma sem tu
Só o teu pensamento
E eu onde, alma sem eu. Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.
Fernando Pessoa
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum Deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passes
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas
Sophia de Mello Breyner Andresen
Contente nunca estou; feliz não sei
Se existe alguém ou neste ou noutro mundo.
Vou para o Nada, sou do Nada oriundo,
E entre dois nadas desventura é Lei.
Da cobarde esperança emancipei
A previsão do meu destino imundo.
Sou consciente do mal em que me afundo,
E consciente do mal continuarei.
Nem revolta me fica, apenas pressa
De me tornar por fim parada peça
No cósmico rolar nefasto e louco.
Depois quero dormir um sonho enorme...
Que para uma aflição que nunca dorme,
A Morte, temo bem que seja pouco.
Reinaldo Ferreira
Nous avons pensé des choses pures
Côte à côte le long des chemins
Nous nous sommes tenus par la main
Sans dire ... parmi les fleurs obscures.
Nous marchions comme des fiancés
Seuls dans la nuit vers des prairies
Nous partagions ce fruit de feéries
La lune amicale aux insensés.
Et puis nous sommes morts sur la mousse
Très loin, tout seuls parmi l'ombre douce
De ce bois intime et murmurant
Et là-haut, dans la lumière immense
Nous nous sommes trouvés en pleurant
O mon cher Compagnon de Silence.
Paul Valery
Mi domando che madri avete avuto.
Se ora vi vedessero al lavoro
in un mondo a loro sconosciuto,
presi in un giro mai compiuto
d’esperienze così diverse dalle loro,
che sguardo avrebbero negli occhi?
Se fossero lì, mentre voi scrivete
il vostro pezzo, conformisti e barocchi,
o lo passate a redattori rotti
a ogni compromesso, capirebbero chi siete?
Madri vili, con nel viso il timore
antico, quello che come un male
deforma i lineamenti in un biancore
che li annebbia, li allontana dal cuore,
li chiude nel vecchio rifiuto morale.
Madri vili, poverine, preoccupate
che i figli conoscano la viltà
per chiedere un posto, per essere pratici,
per non offendere anime privilegiate,
per difendersi da ogni pietà.
Madri mediocri, che hanno imparato
con umiltà di bambine, di noi,
un unico, nudo significato,
con anime in cui il mondo è dannato
a non dare né dolore né gioia.
Madri mediocri, che non hanno avuto
per voi mai una parola d’amore,
se non d’un amore sordidamente muto
di bestia, e in esso v’hanno cresciuto,
impotenti ai reali richiami del cuore.
Madri servili, abituate da secoli
a chinare senza amore la testa,
a trasmettere al loro feto
l’antico, vergognoso segreto
d’accontentarsi dei resti della festa.
Madri servili, che vi hanno insegnato
come il servo può essere felice
odiando chi è, come lui, legato,
come può essere, tradendo, beato,
e sicuro, facendo ciò che non dice.
Madri feroci, intente a difendere
quel poco che, borghesi, possiedono,
la normalità e lo stipendio,
quasi con rabbia di chi si vendichi
o sia stretto da un assurdo assedio.
Madri feroci, che vi hanno detto:
Sopravvivete! Pensate a voi!
Non provate mai pietà o rispetto
per nessuno, covate nel petto
la vostra integrità di avvoltoi!
Ecco, vili, mediocri, servi,
feroci, le vostre povere madri!
Che non hanno vergogna a sapervi
– nel vostro odio – addirittura superbi,
se non è questa che una valle di lacrime.
È così che vi appartiene questo mondo:
fatti fratelli nelle opposte passioni,
o le patrie nemiche, dal rifiuto profondo
a essere diversi: a rispondere
del selvaggio dolore di esser uomini.
Pier Paolo Pasolini
19 dezembro 2005
17 dezembro 2005
A saudade nas palavras de Sophia
– Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
– Isso é por causa da saudade – disse o rapaz.
– Mas o que é a saudade? – perguntou a Menina do Mar.
– A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
Sophia de Mello Breyner Andersen, ‘A Menina do Mar'
16 dezembro 2005
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
15 dezembro 2005
Sim, Sei Bem
Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
Fernando Pessoa
14 dezembro 2005
A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo
Al Berto - O Medo
REGRESSAREI
Eu regrassarei ao poema como à pátria à casa
Como à antiga infância que perdi por descuido
Para buscar obstinada a substância de tudo
E gritar de paixão só mil luzes acesas
Sophia de Mello Breyner Andresen
13 dezembro 2005
12 dezembro 2005
"Não interessa os nomes que pomos nas coisas, mas as coisas que pomos nos nomes"
Boaventura de Sousa Santos
11 dezembro 2005
Acordar, Viver
Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.
Carlos Drummond de Andrade
O Último Poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Manuel Bandeira
09 dezembro 2005
08 dezembro 2005
IMAGINE!
Decorrem hoje 40 anos que John Lennon foi assassinado. Deixo aqui a minha homenagem a um homem que, como ele se definia, vivia entre o génio e a loucura. De qualquer modo não conheço nenhum génio que não tenha uma ponta de loucura porque só assim é possível ter a lucidez para atingir o que aos outros está um pouco mais além: a realidade da vida só tem algum interesse se tingida pelo lirismo e pela capacidade de nunca deixar de sonhar, de imaginar.
It's all your's John:
Imagine
Imagine there's no heaven,
It's easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people
living for today...
Imagine there's no countries,
It isnt hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people
living life in peace...
Imagine no possesions,
I wonder if you can,
No need for greed or hunger,
A brotherhood of man,
Imagine all the people
Sharing all the world...
You may say Im a dreamer,
but Im not the only one,
I hope some day you'll join us,
And the world will live as one.
07 dezembro 2005
06 dezembro 2005
As mãos pressentem
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar
ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada
Al Berto
TEMPIO DELLA NOTTE
Attraversa punti incondizionati
per rapire alcuni orgasmi
nel rapido fluire della notte
e nel vortice di una danza
cavalca le ali di una farfalla
e leggero, in fine, si posa
sopra magnetici polpastrelli
nel loro lento ed assiduo
bruciare di essenze ed incensi:
mistico e sensuale sapore
nel tempio di un'altra notte,
pervade ogni spenta creatura
incarnando un nuovo spirito
nell'occulto e trascendente
lunare abbraccio di Iside.
Enrico Pietrangeli
Na minha graphonola:
Box of Rain
Grateful Dead
Look out of any window
any morning, any evening, any day
Maybe the sun is shining
birds are winging or
rain is falling from a heavy sky -
What do you want me to do,
to do for you to see you through?
this is all a dream we dreamed
one afternoon long ago
Walk out of any doorway
feel your way, feel your way
like the day before
Maybe you'll find direction
around some corner
where it's been waiting to meet you -
What do you want me to do,
to watch for you while you're sleeping?
Well please don't be surprised
when you find me dreaming too
Look into any eyes
you find by you, you can see
clear through to another day
I know it's been seen before
through other eyes on other days
while going home --
What do you want me to do,
to do for you to see you through?
It's all a dream we dreamed
one afternoon long ago
Walk into splintered sunlight
Inch your way through dead dreams
to another land
Maybe you're tired and broken
Your tongue is twisted
with words half spoken
and thoughts unclear
What do you want me to do
to do for you to see you through
A box of rain will ease the pain
and love will see you through
Just a box of rain -
wind and water -
Believe it if you need it,
if you don't just pass it on
Sun and shower -
Wind and rain -
in and out the window
like a moth before a flame
It's just a box of rain
I don't know who put it there
Believe it if you need it
or leave it if you dare
But it's just a box of rain
or a ribbon for your hair
Such a long long time to be gone
and a short time to be there
05 dezembro 2005
Oh pAris mon
amour
António Pedro - “La lumière a cueilli des mensonges”
03 dezembro 2005
Deus cansou-se da eternidade e legou-a aos poetas para que soubessem que lado do mundo cabia a sua sombra
A sua sombra no mundo não tinha lugar ao sol
António Pedro - “Anti-ismo. Manifesto poema”
02 dezembro 2005
01 dezembro 2005
Bebido o luar
Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.
Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.
Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.
Sophia de Mello Breyner Andresen