30 novembro 2005
Na minha graphonola:
Hoje não me apetece colocar música na graphonola, apetece-me o silêncio porque pode ser igualmente um óptimo estado de espírito como a música sempre o foi para mim. Apetece-me a sinfonia e o prazer de poder recusar qualquer som pela paz que lhe posso sorver e é de paz que eu preciso. Neste miradouro olho a paisagem à minha frente e apetece-me, como noutras vezes, abrir as asas e partir na brisa, por mais fria que seja, subir, rodopiar, mergulhar, subir de novo, subir ainda mais, acima das nuvens, acima das multidões e tocar o azul, e então planar, pairar e poder sentir o silêncio por fim, numa paz desejada.
Hoje, o interruptor da graphonola fica em off.
Soneto quase mudo
Há o silêncio, às vezes, entre nós,
e é um silêncio denso, ou uma fala
críptica, uma linguagem que abdica
do som, para ser só a voz da alma...
Há súbitas catarses de palavras
em torrente, cachoeiras de espuma
efervescente, ou talvez a timidez
dos gestos reprimidos ou represos.
Há os olhos que dizem sem dizer,
há o fluido subtil de quem se entende
mais longe do que a vida nos permite.
E há a confiança na ausência,
há segredos sabidos sem saber,
manhãs comuns em cada amanhecer.
Rui Polónio Sampaio
29 novembro 2005
28 novembro 2005
Anzol
Rádio Macau
Ai eu já pensei mandar pintar o céu
Em tons de azul, pra ser original
Só depois notei que azul já ele é
Houve alguém que teve ideia igual
Eu não sei se hei-de fugir
Ou morder o anzol
Já não há nada de novo aqui
Debaixo do sol
Já me persegui por becos e ruelas
De horror, caminhos sem saída
Até que me perdi sozinha sem saber
De que cor vou pintar a minha vida
Quem escreve
Quem escreve quer morrer, quer renascer
num ébrio barco de calma confiança.
Quem escreve quer dormir em ombros matinais
e na boca das coisas ser lágrima animal
ou o sorriso da árvore.
Quem escreve quer ser terra sobre terra,
solidão adorada, resplandecente, odor de morte
e o rumor do sol, a sede da serpente,
o sopro sobre o muro, as pedras sem caminho,
o negro meio-dia sobre os olhos.
A. Ramos Rosa
26 novembro 2005
25 novembro 2005
Euforia
cai neve no cérebro vivo do imaculado - dizem
que este milagres só são possíveis com rosas e
enganos - precisamente no segundo em que a insónia
transmuda os metais diurnos em estrume do coração
dizem também
que um duende dança na erecção do enforcado - o fulgor
dos sémenes venenosos alastra no brilho dos olhos e
um sussurro de tinta preta aflora os lábios
fere a mão de gelo que se aproxima da boca
o vómito da luz ergue-se
das palavras ditas em surdina
a seguir vem o sono
e o miraculado entra no voo dos cisnes
o dia cansa-se
na brutalidade com que a voz se atira contra as paredes
abrindo fendas
em toda a extensão das veias e dos tendões
quando desperta com o crepúsculo
o miraculado olha-nos fixamente e sorri
dá-nos uma rosa em forma de estilete - fechamos os olhos
sabendo que este é o maior engano
da eternidade
Al-Berto in Horto de Incêndio
Partir É Morrer Um Pouco
Partir é morrer um pouco
A alma de certo jeito
A expirar dentro de nós.
Voam mágoas em pedaços
Como aves que se não cansam
Ilusões esparsas no ar.
Partir é estender os braços
Aos sonhos que não se alcançam
Cujo destino é ficar.
Deixo a minh’alma no cais
De longe alcanço sinais
Feitos de pranto a correr.
Quem morre não sofre mais
Mas quem parte é dor demais
É bem pior que morrer!
Ary dos Santos
24 novembro 2005
for a few seconds
Clocks
Coldplay
Lights go out and I can’t be saved
Tides that I tried to swim against
Brought me down upon my knees
Oh I beg, I beg and plead
Singin’, come out if things aren’t said
Shoot an apple off my head
And a, trouble that can’t be named
Tigers waitin’ to be tamed
Singing, yooooooooooooo ohhhhhh
Yoooooooooooo ohhhhhh
Confusion never stops
Closing walls and ticking clocks
Gonna, come back and take you home
I could not stop that you now know
Singin’, come out upon my seas
Curse missed opportunities
Am I, a part of the cure
Or am I part of the disease
Singin’, yoooooooooooo ohhhhhh
Yooooooooooooo ohhhhhh
Yooooooooooooo ohhhhhh
Yooooooooooooo ohhhhhh
Yooooooooooooo ohhhhhh
Yooooooooooooo ohhhhhh
Oh nothing else compares
Oh nothing else compares
And nothing else compares
Yooooooooooooo ohhhhhh
Yooooooooooooo ohhhhhh
Home, home, where I wanted to go
Home, home, where I wanted to go
Home, home, where I wanted to go
Home, home, where I wanted to go
23 novembro 2005
Não disto nem daquilo.
Nem sequer de tudo ou de nada:
cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
[...]
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
[...]
Álvaro de Campos
21 novembro 2005
Monólogo
Enquanto a chuva castiga as vidraças e aparte disso impera um pressionante silêncio, três palavras atormentam este solilóquio a que fiquei restringido:
- amor;
- felicidade;
- saudade.
Esta peça de teatro parece continuar como tem sido, inclusive já nem me preocupam as reacções do público à representação; porquê me haveria de preocupar se no palco resto eu e a plateia está vazia. Não espero palmas ou vaias ou qualquer outro tipo de reacção quando o pano descer, para dizer a verdade simplesmente cansei-me de pensar nisso e de esperar algo; talvez esteja destinado simplesmente ao não ser. De resto, lá fora continua a chover mas também já deixei de me preocupar com isso.
20 novembro 2005
18 novembro 2005
Orfandade
Perdi-me do mundo
em que do ventre nasci,
acordei o mundo
chamei, berrei
e o mundo não acordou
e eu não o senti,
correu-me uma lágrima
e o mundo não me afagou,
nem sequer um abraço,
nem sequer um carinho.
Perdi-me da realidade
reneguei-a de mim,
sou filho da dor
ser alienado, irreal,
sem coração, sem amor.
Nunca soube quem sou
ou ao que vim,
sou talvez filho da perdição,
apátrida da vida
sem lugar no tempo,
sem parte no espaço,
perdido, desencontrado,
vagueio assim
órfão de tudo e de nada
sou possivelmente
apenas filho de mim.
JL
Caruso
E tira forte vento
Sulla vecchia terazza
Davanti al golfo di surriento
Un uomo abbraccia una ragazza
Dopo che aveva pianto
Poi si sciarisce la voce
E ricomincia il canto
Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai
? una cantena ormai
Che sciogliei sangue dint'e vene sai...
Vide le luci in mezzo al mare
Pens? alle notti l? in 'merica
Ma erano solo le lampare
E la bianca scia di un'elica
Sent? il dolore nella musica
E si alz? dal pianoforte
Ma quando vide uscire
La luna da una nuvola
Gli sembro pi? dolce anche la morte
Guard? negli occhi la ragazza
Quegli occhi verdi come il mare
Poi all'improvisso usci una lacrima
E lui credette di affogare
Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai
? una cantena ormai
Che sciogliei sangue dint'e vene sai...
Potenza della lirica
Dove ogni dramma ? un falso
Che con un po'di trucco e con la mimica
Puoi diventare un altro
Ma due occhi che ti guardano
Cos? vicini e veri
Ti fan scordare le parole
Confondono I pensieri
Cos? diventa tutto piccolo
Anche le notti l? in 'merica
Ti volti e vedi la tua vita
Dietro la scia di un'elica
Ma s? ? la vita che finisce
E non ci penso poi tanto
Anzi si sentiva gi? felice
E ricomincio il suo canto
Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai
? una cantena ormai
Che sciogliei sangue dint'e vene sai...
17 novembro 2005
Solidão
Tempos de vazio
Por vezes pode até sentir-se algo mas não é suficiente, não basta, porque só os sentimentos que arrebatam a alma e a incendeiam são verdadeiramente importantes.
E, no nada, o tempo passa ficando um vazio de dias e uma plenitude desértica que se estende para além do que a vista alcança.
Quanto tempo tem o tempo? Só o coração ou a alma o saberão, na verdade, porque nunca aprendi a contabilizar o nada no tempo.
Na minha graphonola:
Talk
Coldplay
Oh brother I can't, I can't get through
I've been trying hard to reach you, cause I don't know what to do
Oh brother I can't believe it's true
I'm so scared about the future and I wanna talk to you
Oh I wanna talk to you
You can take a picture of something you see
In the future where will I be?
You can climb a ladder up to the sun
Or write a song nobody has sung
Or do something that's never been done
Are you lost or incomplete?
Do you feel like a puzzle, you can't find your missing piece?
Tell me how do you feel?
Well I feel like they're talking in a language I don't speak
And they're talking it to me
So you take a picture of something you see
In the future where will I be?
You can climb a ladder up to the sun
Or a write a song nobody has sung
Or do something that's never been done
Do something that's never been done
So you don't know were you're going, and you wanna talk
And you feel like you're going where you've been before
You tell anyone who'll listen but you feel ignored
Nothing's really making any sense at all
Let's talk, let's ta-a-alk
Let's talk, let's ta-a-alk
16 novembro 2005
pensava eu…como seriam felizes as mulheres
à beira -mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos …sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta …dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca do mar ao fundo da rua
assim envelheci…acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão.
Al Berto
Na minha graphonola:
As saudades que eu já tinha de ouvir esta voz...
Luka
Suzanne Vega
My name is Luka
I live on the second floor
I live upstairs from you
Yes I think you've seen me before
If you hear something late at night
Some kind of trouble. some kind of fight
Just don't ask me what it was
Just don't ask me what it was
Just don't ask me what it was
I think it's because I'm clumsy
I try not to talk too loud
Maybe it's because I'm crazy
I try not to act too proud
They only hit until you cry
And after that you don't ask why
You just don't argue anymore
You just don't argue anymore
You just don't argue anymore
Yes I think I'm okay
I walked into the door again
Well, if you ask that's what I'll say
And it's not your business anyway
I guess I'd like to be alone
With nothing broken, nothing thrown
Just don't ask me how I am
Just don't ask me how I am
Just don't ask me how I am
15 novembro 2005
Cold Water - Damien Rice
And all I've got is your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?
Love one's daughter
Allow me that
And I can't let go of your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?
[chanting] Cold, cold water surrounds me now
And all I've got is your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?
O sentido das coisas
Hoje, de madrugada, tive um sonho que me aterrorizou completamente mas que me fez perceber algumas coisas: sonhei com a minha própria morte. Confesso que acordei com um aperto enorme no coração porque percebi o quão fácil é morrermos, o quão fácil é o esfumar de tudo o que planeamos. Talvez o que mais me custou foi perceber como de um momento para o outro podemos perder todos os que amamos, deixar elos partidos por amor e por erros, não ficar de bem com quem nos chateamos, por vezes sem necessidade. Qual será então o sentido desta vida se num ápice tudo se pode desvanecer? Valerá a pena? Não quero, quando um dia partir, sentir que deixei elos partidos. Quero acima de tudo sentir que valeu a pena amar, mesmo com falhas, mesmo com erros.
11 novembro 2005
Aprendiz de viajante
Creio que, na altura, acreditei no que lia. Estava doente, tinha quinze anos. Não me lembro da doença que me levara à cama, recordo apenas a impressão que me causara, então, o que acabara de ler.
Os anos passaram - como se apagam as estrelas cadentes - e, ainda hoje, não sei se viajar cura a melancolia. No entanto, persiste em mim aquela estranha impressão de que lera uma predestinação.
A verdade é que desde os quinze anos nunca mais parei de viajar. Atravessei cidades inóspitas, perdi-me entre mares e desertos, mudei de casa quarenta e quatro vezes e conheci corpos que deambulavam pela vaga noite... Avancei sempre, sem destino certo.
Tudo começou a seguir àquela doença.
Era ainda noite fechada. Levantei-me e parti. Fui em direcção ao mar. Segui a rebentação das ondas, apanhei conchas, contornei falésias; afastei-me de casa o mais que pude. Vi a manhã erguer-se, branca, e envolver uma ilha; vi crepúsculos e noite sobre um rio, amei a existência.
Dormia onde calhava; no meio das dunas, enroscado no tojo, como um animal; dormia num pinhal ou onde me dessem abrigo, em celeiros, garagens abandondas, uma cama...
e quando regressei, com a ânsia do eterno viajante dentro de mim.
Hoje sei que o viajante ideal é aquele que, no decorrer da vida, se despojou das coisas materiais e das tarefas quotidiana. Aprendeu a viver sem posuir nada, sem um modo de vida.Caminha, assim, com a leveza, de quem abandonou tudo. Deixa o coração apaixonar-se pelas paisagens enquanto a alma, no puro sopro da madrugada, se recompõe das aflições da cidade.
A pouco e pouco, aprendi que nenhum viajante vê o que os outros viajantes, ao passarem pelos mesmos lugares, vêem. O olhar de cada um, sobre as coisas do mundo é único, não se confunde com nenhum outro.
Viajar, se não cura a melancolia, pelo menos, purifica. Afasta o espírito do que é surpéfluo e inutil; e o corpo reencontra a harmonia perdida - entre o homem e a terra.
O viajante aprendeu, assim, a cantar a terra, a noite e a luz, os astros, as águas, os peixes e a treva, os peixes, os pássaros e as plantas. Aprendeu a nomear o mundo.
Separou com uma linha de água o que nele havia de sedentário daquilo que era nómada; sabe que o homem não foi feito para ficar quieto. A sedentarização empobrece-o, seca-lhe o sangue, mata-lhe a alma - estagna o pensamento.
Por tudo isto, o viajante escolheu o lado nómada da linha de água. Vive ali, e canta - sabendo que a vida não terá sido um abismo, se conseguir que o seu canto, ou estilhaços dele, o una de novo ao Universo.
"O anjo mudo", Al Berto
Hector Bianciotti, in L'amour nést pas aimé
Outono esquecido
Passa por mim, o Outono, e fica esta dor de estação esquecida que chegou mas não quer ser lembrada, porque lhe não sabe o desejo, porque lhe tem raiva o Verão no calor perdido, e o Inverno lhe almeja apenas o término na pretenção de impor o seu domínio de soberano do frio.
10 novembro 2005
09 novembro 2005
Hoje
Hoje sinto-me no azul do céu e espelho-me no rio porque o vi triste, sem cor, triste porque os barcos se negaram a cruzá-lo, porque incolor. Diluo-me no azul que lhe cedo e deixo-me embalar na espuma ondulada, sorrisos de um rio agora contente nos barcos que o beijam em cada travessia. Deixo-me ficar na espera do entardecer e dos traços de ouro pintado rasgados nas águas que entretanto adormecerão na canção do luar.
08 novembro 2005
O olhar embaciou-se para o que me rodeia. Hoje, sem ti, já não consigo pressentir a sombra magnífica da noite sobre o rio. Nada se acende em mim ao escrever-te esta carta.Só a foz do rio parece guardar a memória duma fotografia há muito rasgada. O vento, esse, persegue a melancolia dos passos pelas dunas.É possível que os verões ainda sejam o que eram... com os corpos estendidos ao sol, e a oferenda de um sorriso malicioso a confundir-se com o marulhar das águas.Mas ninguém possui verdadeiramente alguma coisa. As coisas do mundo pertencem a todos e, sobretudo, a quem aprendeu a nomeá-las. E eu já não consigo nomear nada. Não me lembro sequer de um nome que resuma o movimento desastroso dos dias.
Al Berto, in O Anjo Mudo
A aceitação de nós próprios
Porque somos, por vezes, tão radicais quando, no dia-a-dia, apregoamos a moderação e a tolerância para com as opiniões alheias? Não incorreremos vezes demasiadas naquele ditado que diz: Olha para o que eu digo, não para o que eu faço? Será que pelos vistos só somos tolerantes para o que nos dá jeito, ou quando nos dá jeito. Um dia ensinaram-me a viver com todas as diferenças e sem radicalismos e desde aí procuro fazer disso um credo diário pois só assim posso querer que me entendam como sou, aceitando as diferenças dos que são como eles próprios. E rezo para não cair em tentação.
Na minha graphonola:
The Divine Comedy
There's not enough hours in the day
To say all that I want to say
There's not enough days in the week
And weeks go by quicker than drunks knock back liquor
There's not enough weeks in the month
To do all that needs to be done
There's not enough months in the year
And years disappear like the bubbles in my beer
Timestretched
There's not enough lines on the stave
To capture the music I crave
There's not enough strings to my bow
And even the barmen know extracts from Carmen
There's not enough notes in this scale
It feels like I'm chasing my tail
There's not enough beats in the bar
And bars get too busy with folks asking "is he…?"
07 novembro 2005
deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis, vivos e limpos.
a dor de todas as ruas vazias
sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de acabar comigo mesmo.
a dor de todas as ruas vazias
mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto de enganos, da sorte e de encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precaridade de outro corpo.
a dor de todas as ruas vazias
pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar arrear o velame.
é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem cadastro.
a dor de todas as ruas vazias
sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o filme acabou. não nos conheceremos nunca.
a dor de todas as ruas vazias
os poemas adormeceram no desassossego da idade. fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas... e nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias
Al Berto
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só
metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga, Diário XIII - Coimbra
04 novembro 2005
Yesterday Was a Lie
Telepopmusik
And you don't know it
What hides inside me
If nothings so different
Don't close the door
I'm not asking for more
Oh god I'd give my life for you
For just one second that was true
Keep me feeling so brand new
You know why yesterday was a lie
And even when you're sad
I walk away
And even when you're happy
I stay
Did I sale my soul for this feeling
So long ago
Did I give my heart for that waste
At the time
I'm not asking for much
Don't hid me
Then you wonder why my heart
Did I sell my soul for that feeling
You know why yesterday was a lie
I can't keep thinkin' I was right
Don't go
As mãos pressentem...
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar
ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada
Al Berto
Na minha graphonola:
Telepopmusik
Sit Still, and close your eyes
What’s behind the other door
No more silence, don’t kill this thing we got called love
Just searching for the perfect drug
When Love comes calling
Don’t look back
When love comes calling
Don’t look away
And I’m standing over here
Watching you over there
Smiling, happy, unaware
Oh, life is spinning round
You’re going underground, forgetting who we were
Let’s try and keep it just one more day
You take your love
And throw it all around
Like it’s nothing special
Just a sound
Let me say one more thing
I don’t think you realize
That a day is like a year sometime
03 novembro 2005
Na minha graphonola:
Mina Loy
Billy Corgan
The siren calls outside
They want to kill us all
Innocents, wounded souls
Full of rage
Nowhere to go
Consequences be they may
I resolve to never change
I so vow to never yield
Can I give my old heart to you?
Cause when this feeling starts
That's when I blow it all away
"here, you're born" they'll say
"to die afraid, to lie awake"
It's plain the wars have won
The days of judgement rise
For innocents, wounded souls
How could they know?
They're burning cold
Paranoias be they may
I resolve to never change
Can I give my old heart to you?
Cause when this feeling starts
That's when I rip it all apart
Alright!
The end's in sight
We're born to die
One thousand times
I'm just one wish away
I'm just one wish away from you kid
I'm just one wish away
I'm just one wish away from you kid
I'm not so innocent
I'm not so innocent now kid
Can I give my old heart to you?
My old heart.
Perguntas
Porque não pode a amizade ser uma solução?
Será antes a negação do existir, a solução?
Ou o ódio?
Em pena?!!!
vontade
Hoje
02 novembro 2005
Carta ao passado
Não estou pior do que estava há um ano porque aí estava completamente perdido e sem nada, agora tenho pelo menos algo. Sinto que vou lutar apesar de por vezes não parecer; sinto que, apesar de a outros a vida ser suficiente sem que dela queiram exigir algo mais do que o socialmente requerido, eu vou exigir o máximo dela... e sei que me vou espalhar ao comprido. Sei isso de avanço, mas acho que não sei viver de outro modo sem exigir da vida. O que custa é fazer isso sozinho e custa muito. Sei as minhas culpas na vida mas sei que também nunca conseguiria viver sem parte de algo sem o qual morreria igualmente aos poucos. Eu, não peço a ninguém para reviver o passado ou com as recordações, se preciso delas é o meu modo de sobreviver, como já escrevi, apesar de poder ser dificil de entender. Mas sei que por vezes preciso de uma voz amiga e verdadeira no meio de tanta representação a que assisto neste teatro da vida; não sei se é pedir demais mas não custa falar, talvez seja mais fácil assim de entender.
Sobre o silêncio
Uma casa no fim do mundo – M. Cinningham
O silêncio
este silêncio
em que me debato,
me quebro,
e me estilhaço
É de solidão
este silêncio
e espero palavras
martelos cravados
reprimidos,
na rocha tua
basalto do silêncio.
Sabes, porventura,
como grita, como urra...
o silêncio?
É um berro infernal
que te prende
e abafa o sonho
e te puxa para o fundo
enquanto estendes o braço
para o vazio...
e sufocas
no vómito
da náusea
embrutecida
em que te tornaste.
Enquanto esperas
na solidão
silenciosa,
de pedra negra.
Exaures-te,
na incerteza
de quem tu és.
Gritas o silêncio
contudo ninguém.
E no sono obscuro
anseias o que resta,
a fuga terminal,
e começas a sonhar
o que perdeste
enquanto a poesia
te morre nos dedos
então és tu,
por fim,
o silêncio.
And so it is
The shorter story
No love, no glory
No hero in her skies
I can't take my eyes off you
I can't take my mind off you